Para início de conversa, não – independente de qual "raposa" você se refere. Isso porque há dois grupos distintos de canídeos: os Vulpini, que incluem raposas habitantes do Hemisfério Norte, do Ártico e da Austrália; e os Canini, que inlcuem lobos, cães domésticos, chacais e canídeos sul-americanos, como a raposa-do-campo.
De acordo com a taxonomia, as raposas estariam classificadas no reino Animalia, filo Chordata, classe Mammalia, ordem Carnivora e família Canidae. Portanto não fazem parte da mesma família que os felinos.
Embora não haja razões para associar os dois grupos – raposas e felinos – do ponto de vista biológico, muitas pessoas ainda o fazem. De acordo com Frederico Lemos, biólogo doutor em ecologia e conservação de biodiversidade, a razão provavelmente está na falta de conhecimento sobre estas espécies por parte da sociedade como um todo.
"E também de uma certa similaridade morfológica. Eles não são iguais, obviamente, são de famílias e espécies diferentes. Mas as pessoas que estão no campo e veem esses bichos à noite, passando em frente ao carro ou no quintal de roça, podem achar que a raposa é um gato-do-mato por ser pequena, esguia e meio furtiva, já que têm medo de animais maiores", especula o especialista do programa de conservação de mamíferos do Cerrado da Universidade Federal de Catalão.
A bióloga Kátia Gomes Facure, doutora em ecologia, acrescenta: "[isso ocorre] talvez pelo tamanho menor [das raposas] quando comparadas aos lobos e pelo fato de caçarem sozinhas e não em grupos, como fazem os lobos. Porém essa associação não é comum no meio acadêmico".
Tipos de raposa
As raposas que comumente vemos em filmes de Hollywood são as chamadas por Katia de "raposas verdadeiras". Elas pertencem ao gênero Vulpes e são caracterizadas por um tamanho corporal menor (de 5 a 11 kg).
"Os exemplos mais conhecidos são a raposa-vermelha (Vulpes vulpes), que apresenta uma ampla distribuição no Hemisfério Norte e foi introduzida na Austrália, e a raposa-do-Ártico (Vulpes lagopus), que habita todo o círculo Ártico", diz a bióloga.
Aqui na América do Sul, os canídeos se assemelham à aparência e comportamento das raposas verdadeiras, mas são, na verdade, mais relacionados ao terceiro grupo de canídeos. Este inclui as espécies do gênero Canis, como o cão doméstico (Canis familiaris) e o lobo-cinzento (Canis lupus); os chacais (gênero Lupulella); o dhole (Cuon alpinus) e o cão-selvagem-africano (Lycaon pictus).
Das dez espécies de canídeos que vivem na América do Sul, seis vivem no Brasil: o graxaim-do-campo (Lycalopex gymnocercus), o cachorro-do-mato (Cerdocyon thous), o cachorro-vinagre (Speothos venaticus), o cachorro-de-orelha-curta (Atelocynus microtis), o lobo-guará (Chrysocyon brachyurus) e a raposa-do-campo (Lycalopex vetulus). Esta última pertence ao gênero Lycalopex, que se originou na América do Sul, e é objeto de estudo de Frederico.
"Um ancestral deles chegou aqui há mais ou menos 3 milhões de anos e se diversificou em seis raposas sul-americanas, como a raposa-colorada (Lycalopex culpaeus), a raposa-cinzenta-argentina (Lycalopex griseus), a raposa-do-deserto-peruana (Lycalopex sechurae), a raposa-de-darwin (Lycalopex fulvipes), o graxaim-do-campo (Lycalopex gymnocercus) e a raposinha-do-campo (Lycalopex vetulus), que é exclusiva do Cerrado brasileiro", diz o biólogo.
Assim, é possível entender que o termo "raposa" inclui espécies de diferentes linhagens de canídeos, tornando variável o número total de espécies, dependendo dos nomes populares que são empregados em cada região.
"Mas, no Brasil, apenas uma espécie leva o nome popular de raposa: a raposa-do-campo", diz Katia. O cachorro-do-mato também pode ser chamado de raposa em algumas regiões do país, mas, das 12 espécies de raposas verdadeiras (gênero Vulpes), nenhuma ocorre em solo brasileiro.
Além desses grupos, existem outras espécies de canídeos que também são chamadas de raposas, mas que não vivem no Brasil: a raposa-orelha-de-morcego (Otocyon megalotis) e a raposa-cinzenta (Urocyon cinereoargenteus).
"Embora nós usemos a palavra raposa para nos referir aos canídeos sul-americanos, é importante destacar que elas não são as mesmas do Hemisfério Norte, como a clássica raposa-vermelha. Evolutivamente, aquilo é, de fato, o que chamamos de raposa", explica Frederico.
Alguns autores até sugeriram tratar as espécies habitantes da América do Sul com outra nomenclatura – zorro, que significa "raposa" em espanhol – para evitar o erro e a confusão. Mas a sugestão não foi acatada.
"Em todo caso, os especialistas reconhecem que os canídeos sul-americanos não são raposas. Embora sejam da mesma família (Canidae), não são raposas tão próximas", completa o pesquisador.
Comportamento e hábitos
De modo geral, as espécies citadas por Katia são oportunistas e generalistas e se alimentam de uma variedade de presas, incluindo insetos e outros artrópodes, como aracnídeos e crustáceos.
Sua dieta também inclui pequenos vertebrados, como lagartos, serpentes, pássaros e roedores. "Além de predarem tanto invertebrados como vertebrados, as raposas consomem frutos e carcaça, quando encontram animais mortos. Mas existem algumas com hábito especializado, como a raposa-do-campo, que se alimenta principalmente de cupins", diz.
Segundo Júlio Dalponte, biólogo doutor em biologia animal, estes animais são ágeis e buscam alimento em ambientes de vegetação aberta ou florestal.
"As raposas ocorrem desde regiões árticas até desertos, passando por savanas e florestas tropicais, e há espécies que habitam espaços urbanos. Possuem organização social muito variável, mas, em geral, adotam vida solitária e se juntam a casais ou grupos familiares no período reprodutivo. Em geral, são noturnas ou crepusculares", diz.
Contudo cada espécie apresentará sua particularidade. No caso da raposa-do-campo, pouco divulgada e endêmica do nosso Cerrado e suas áreas de transição, trata-se de um animal pequeno que pesa entre 3,5 kg a 4 kg.
Outra curiosidade é a sua alimentação, cuja principal presa são os cupins, nas palavras de Frederico, estes isópteros são como o "arroz de sua dieta". "Ela complementa com besouros coprófagos, come grilos e esperanças, mas também muito fruto de Cerrado – como a guapeva, a mutamba e o cajuzinho. Também se come muitos frutos cultivados, como manga, caju, além de roedores", lista.
Já o cachorro-do-mato, outro canídeo brasileiro, tem uma alimentação mais diversa, que inclui insetos (principalmente grilos e besouros), mas exclui cupins. "Ele foca a dieta mais em frutos e pequenos roedores, além de aves e escamados, como serpentes e lagartos", diz Frederico.
Quanto aos predadores, diversos animais podem capturar, matar e consumir filhotes e até adultos de raposas. "Considerando as espécies de canídeos sul-americanos, existem registros de indivíduos predados por sucuri (Eunectes), onça parda (Puma concolor) e cães ferais (Canis familiaris)", comenta Katia.
Além disso, o homem se configura como um impacto negativo na vida das raposas, uma vez que a conversão de seu habitat em plantações e pastagem pode ameaçar sua existência.
"As principais causas de morte de raposas-do-campo são trazidas pela nossa espécie, como atropelamento, envenenamento e perseguição por cães", completa Frederico.
As raposas são domesticáveis?
Em se tratando de animais selvagens, é importante sempre refletir sobre os perigos da domesticação. De acordo com Júlio, algumas raposas, como a raposa-vermelha (que não ocorre no Brasil), são domesticáveis.
"Aqui, não é comum o 'uso' de raposas silvestres como pet. Pode acontecer de haver indivíduos domesticados em locais no interior do Brasil, mas a legislação brasileira proíbe essa prática. Portanto é ilegal manter em cativeiro raposas e outras espécies da fauna nativa, salvo sob determinadas condições previstas na legislação", explica.
Quanto à docilidade, alguns indivíduos podem se acostumar com a presença humana. Filhotes resgatados, por exemplo, dependendo do grau de contato com os veterinários, tratadores e outras pessoas envolvidas, podem se tornar dóceis e apresentar comportamento semelhante ao cão doméstico, pedindo carinho, choramingando e abanando a cauda.
"Entretanto devemos respeitar sua índole selvagem e reconhecer que a vida em liberdade é sempre melhor para o indivíduo e para a espécie, pois só assim eles poderão expressar todos os seus comportamentos naturais, desempenhar seus papéis ecológicos no ecossistema e contribuírem com novos indivíduos para a população", finaliza Katia.